domingo, 22 de agosto de 2010

Está vindo?

Tomo a liberdade para postar a coluna de Míriam Leitão publicada no dia 22 de agosto no jornal O Globo. O texto é excelente e as ideias são inspiradoras!


Está vindo?

O torpedo: “vocês estão vindo?” Estávamos indo, mas atrasados, por isso apressamos o passo até o Instituto Moreira Salles. Lá, em uma fria manhã de sábado, mergulhamos no maravilhoso documentário de Estevão Ciavatta sobre Ademar Casé. Ele não me sai da cabeça desde então, por isso me prometi rever quando for lançado no dia 3 de setembro.

O cineasta e documentarista trabalhou durante 10 anos a partir dos arquivos que recebeu da família Casé sobre Ademar, o avô da Regina. É uma história de mobilidade social, com tudo o que há de emocionante em vidas assim, mas é também o relato do começo da radiodifusão no Brasil. O primeiro programa do rádio brasileiro foi o do Casé. Revelou cantores que estão na história da música brasileira, inventou linguagens, fez o primeiro jingle, montou o primeiro cast, desbravou a novidade. Vendo o documentário, combati a ignorância sobre fatos que deveria saber.

Enquanto acompanhava o ágil, denso e leve documentário, fiquei pensando em quanto é breve o tempo. Nos primeiros anos de 1920 ele chega ao Rio de Janeiro, consegue inicialmente vender aparelhos de rádio às famílias — o hardware — e depois, nos anos 30, inventa uma linguagem nova para aquele veículo, o software. Tudo isso começou há menos de 90 anos. Antes de sair de casa, tinha me comunicado com um amigo no Cazaquistão que ouve meus comentários da CBN, em podcasts baixados no seu iPod diretamente da iTunes store. Isso é o presente. Do futuro, eu ouviria falar nos dias seguintes, num encontro em São Paulo: o Digital Age 2.0.

Pense rapidamente o que foi essa trajetória. Do rádio rudimentar, em que Casé inventava programas e Roquete Pinto antevia o futuro das comunicações, ao que se vive hoje. Na história da humanidade, 90 anos representam um cisco, um nada. O rádio, inclusive, sobreviveu a todos os vaticínios e é contemporâneo de seres nem imaginados anos atrás. O futuro nos trará novas surpresas; algumas podem estar entre nós e ainda nem entendemos.

Diante dessa rapidez do tempo, a aflição com certos atrasos brasileiros aumenta. Uma gigantesca distância separa o Brasil de outros países de comunicação mais rápida e tecnologia mais avançada. Uma enorme distância separa brasileiros dos dois lados da fronteira digital.

O Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) foi desenhado para servir de peça de propaganda. Foi posto no papel muito tarde, e ainda não saiu do papel. Deveria se discutir como incluir rapidamente os brasileiros na era digital, mas o tema é tratado com a superficialidade das mensagens eleitorais. Ainda que fosse vencida essa distância digital, e oferecida uma internet rápida ligando todo o país, não seria suficiente. Para entrar no mundo novo das comunicações, que começou na era do rádio, o Brasil precisa vencer outro atraso ainda mais antigo, ainda mais decisivo: o da educação.

Não vou chover no molhado em domingo de inverno. Todo brasileiro sabe que estamos atrasados na educação em relação a países mais e menos desenvolvidos que nós. Já me acostumei a sentir inveja da Coreia com seu sistema educacional construído em 40 anos de tenacidade e senso de urgência. Duro é sentir inveja do Uruguai, onde os alunos estudam em notebooks e as escolas estão informatizadas.

O mais importante não é olhar o que não fizemos. Não fizemos, e pronto. Não se conserta o passado. O problema sério mesmo é o futuro. O IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) tem como meta chegar a 2021 com o desempenho dos primeiros anos do ensino fundamental saindo dos atuais 4,6 para 6,0; nos últimos anos do fundamental, de 4,0 para 5,5; no ensino médio, de 3,6 para 5,2. De um a dez, o Brasil tem como meta atingir a nota média daqui a onze anos. Mais escandaloso: a meta para a escola pública é chegar a 2021 a um nível inferior do que a escola privada estava em 2005. Assim: o objetivo que se busca para daqui a onze anos é o ensino público dos primeiros anos do fundamental chegar a 5,8; quando em 2005 o ensino privado atingiu 5,9. No ensino médio, a meta é 4,9 no setor público, menos do que os 5,6 do ensino privado em 2005.

Se você atravessou todos esses números e me acompanha ainda no artigo pode estar se perguntando: o que o genial produtor, radialista, jornalista e empresário Ademar Casé tem a ver com tudo isso? Que associação estranha de ideias levou ao IDEB?

A palavra que junta tudo é ousadia. Se o Brasil não tiver ousadia nos suas metas na educação não conseguirá vencer a exigência preliminar para entrar com sua população no vertiginoso mundo de hoje em que a comunicação não é tema apenas dos comunicadores. Ela atravessa todas as outras áreas; muda a economia, a política, a sociedade, a educação, as relações afetivas. Não educar é não incluir, não conectar. É deixar à deriva parte da população.

Casé saiu da pobreza extrema e virou um homem rico; saiu do anonimato para a celebridade. Mas carregava uma certa tristeza de não ter estudado o que gostaria de ter estudado. Já famoso, contratou um professor para na hora do almoço, na sua mansão em Copacabana, ensinar inglês a ele e aos filhos.

Fiquei achando que seu arrojo de se lançar no mundo da tecnologia desconhecida, atravessar fronteiras sociais e, depois do sucesso, continuar aprendendo traz lições para o Brasil atual. Saí da sala de projeção achando que não tinha visto apenas uma bela história da Era do Rádio, mas um enredo com duas chaves para o futuro: ousadia e tenacidade. Quis mandar um torpedo para o país: “Está vindo? A sessão vai começar. Não se atrase mais.”

domingo, 8 de agosto de 2010

O discurso dos candidatos


A Band promoveu, na última quinta-feira (5), o primeiro debate entre os candidatos a presidente da República nas eleições 2010. Apesar das expectativas que tínhamos até então, o diálogo possível entre os quatro principais concorrentes mostrou que, quanto à retórica, nenhum deles está preparado. Não houve vencedor.

Dilma Rousseff (PT) chegou sorridente, bem vestida com um amarelo-claro bastante simpático, demonstrou elegância na postura e visual. Entretanto, tão logo se iniciou a disputa verbal, a petista deu indícios de que estava nervosa e apreensiva. Seus pensamentos muitas vezes perderam-se em si mesmos, expressando ideias inconclusas e de pouco significado. Ficou encurralada ao tentar respondar a pergunta de Serra sobre a pífia ajuda que o governo tem prestado às APAEs. Além disso, cometeu deslizes linguísticos sérios, a exemplo do "seje", num emprego verbal inadequado. Mas foi melhor do que imaginávamos. Dilma não é tão ingênua assim, conhece as ações dos governos Lula e FHC e demonstrou autoria, não sendo mera sombra projetada a partir da imagem do popular presidente brasileiro.

José Serra (PSDB) mostrou-se, assim como Dilma, prolixo. Estourou o tempo de fala inúmeras vezes, esqueceu-se das perguntas a ele dirimidas e fez cara de desinformado quando perguntado pela adversária petista sobre o que achava do programa de eletrificação rural Luz para Todos. De Serra esperávamos respostas contundentes, e, é claro, mais ataques a Dilma. Apesar da prodigiosa experiência administrativa e política que tem, ateu-se a comentários sobre a questão da saúde no Brasil, sendo chamado comicamente de hipocondríaco por Plínio de Arruda Sampaio (Psol). Criticou a péssima infraestrutura dos aeroportos brasileiros, dando destaque ao caótico Santa Genoveva de Goiânia, mas não esclareceu nem contemplou os demais projetos de seu eventual governo.

Marina Silva (PV) utilizou-se da palavra de maneira afetuosa, como sempre o faz. Seu discurso é cativante, sério, emocionado. Recordou sua alfabetização por meio do mobral aos 16 anos, falou, como sempre, de sua proposta de desenvolvimento sustetável para a economia do País, e da oportunidade que teve ao ser situação e oposição. Contudo, permaneceu no elogio ao governo petista por várias vezes seguidas, arrancando também de Plínio de Arruda comentários irônicos - "Seu discurso é o mesmo da Dilma. Achei que fosse do governo Lula também", disse o candidato do nanico Psol, deixando Marina desconcertada.

Plínio foi engraçado. Falou que, assim como Dilma e Serra faziam blocão no pergunta-responde, o mesmo faria entre ele e Marina. Iniciou o debate já dizendo sentir-se honrado de participar, já que o povo brasileiro deveria conhecer não só os três principais candidatos. Centrou-se na defesa da distribuição de renda, valendo-se de um radicalismo inoportuno e sem detalhar suas ideias, o que soa como despreparo.

O debate, enfim, foi morno, pode-se concluir. Não houve baixaria, mas também não se concretizou como uma discussão de alto nível, dado que temos candidatos experientes para assumir o cargo de maior responsabilidade de nação. Todos os presidenciáveis foram prolixos: falaram muito, mas a mensagem não foi suficientemente inteligível. Cometeram deslizes gramaticais, mostrando parcial inoperância no que tange ao domínio da Língua Portuguesa. Mas, pior que isso, deixaram os telespectadores à deriva...

Por cotejo, poderia dizer que os quatro elaboraram discursos vazios de conteúdo. Agora, resta esperar para ver como será o próximo debate, se estarão com o discurso afinado, usando argumentos convincentes para dar prova de que conseguem articular com eficiência a linguagem. Aquele que se serve do discurso de maneira adequada, imprime para si uma marca ideológica do lugar que ocupa. Só dessa forma um candidato tem sua proposta de governo bem interpretada. Com traquejo político, discurso lúcido e simpatia, poderá angariar mais votos.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Para onde vamos?


Para onde vamos? Esta foi a pergunta que me fiz enquanto conversava longamente com Consuelo. Nos encontramos para tratar de "negócios". Não obstante, quando nos cruzamos, não tem jeito de deixar a conversa técnica fluir sem que se fale de outros assuntos. E o assunto que imperava se chama tecnologia.


Consuelo é um dos poucos profissionais que me faz parar por alguns momentos e repensar o ditado popular do "é vivendo e aprendendo". Para significar melhor, diria que as coisas se tornam mais fáceis de ser compreendidas quando voltamos ao passado tendo a experiência do presente em mente. Quando ela fala, mergulho num profundo silêncio para ouvir.

Recentemente houve uma onda de demissões numa emissora de TV de Goiânia. Tentei compreender o fato por sua lógica, a lógica do capital: quanto mais tecnologia, menos gente. Mas isso é pouco e insuficiente. Consuelo me disse coisas de extrema valia que eu mesmo não pensaria com tamanha facilidade se apenas enclausurasse ideias nesta mente solitária.

Segundo ela, o jornalismo como um todo, especialmente na TV, está ficando cada vez mais multifuncional. Daí prevalece a lei do mais forte: os que se adaptam com facilidade, permanecem; os que apresentam dificuldades em lidar com o que é novo, cedem espaço para os jovens da geração Y. Tudo por um simples motivo - quem vale-se de programas de informática do calibre do Avid/Inews precisa estar preparado para pensar no compasso do mundo virtual.

O que ela quis dizer com isso? Que da mesma forma que nossa leitura tem mudado com a ascensão da internet e se tornado não-linear, também devemos nos preparar para aprender a editar e construir vídeos que não sigam o ponto a ponto, a lógica encadeada, o passo a passo. Não há razão para isso, já que "posso começar uma história do final". Que será dos sistemas filosóficos de indução e dedução? Talvez a morte ou, no mínimo, a estagnação.

É a segunda vez que essa história se repete. Consuelo me disse posteriormente algo que a Carol (Zafino) já havia me adiantado: nossos raciocínios não são uma constante, não se constroem por pontos sobrepostos, mas sim do contrário, como constatou Pierry Lévy. É preciso aprender a pensar como máquinas. Em um documentário que orientou, o grupo de TCC de Consuelo prezou por essa nova dinâmica da linguagem - os alunos utilizaram cerca de três blocos de vídeo em movimento na tela, simulando a mesma dinâmica das notícias dos sites as quais nossos olhos já se adaptaram a ler.

É um pensamento denso. Me deixou impressionado. Em poucos instantes lhe perguntei de onde emanava aquele entendimento - de algo lido ou de sua própria observação? Da observação acrescida de alguns estudos já publicados sobre o assunto, me respondeu. E a sensação que tive imediatamente foi a mesma que sinto cada vez que me ponho em diálogo com pessoas sábias. Senti que havia aprendido, que é necessário parar para observar o mundo e encontrar respostas prováveis ao futuro que vai chegar, que só construo meu presente a partir do passado que vivi e que me faz reavaliar e reaprender.

Uma pergunta me veio à cabeça: os jornais impressos, então, irão acabar? Esta não a fiz. Deixei para pensar por mim mesmo. Quem sabe, a resposta será uma negativa. Num artigo de domingo, Míriam Leitão (a quem admiro e gosto de ler) dizia que o livro não é só aquele formato que persiste desde Gutemberg, mas sim seu conteúdo somado ao sentimento afetivo e ao vínculo que com ele criamos. Sua conclusão foi de que o livro como o conhecemos pode até acabar no que tange ao formato, mas não no que diz respeito ao seu conteúdo e à prática com que o utilizamos.

Cada vez que ouço Consuelo minha cabeça se abre. Fiquei mais curioso ainda para ler o recomendado livro "Tudo que é sólido desmancha no ar", de Marshall Berman (infelizmente, ainda não tive tempo). Isso prova que não aprendo nada sozinho, não posso encerrar meus pensamentos em mim mesmo. Ainda tenho muito para refletir e crescer. Só no diálogo e na observação poderei, por conjectura, tentar adivinhar para onde vamos e em que direção caminhamos rumo ao mundo virtual.