domingo, 11 de julho de 2010

O crime da mídia


Atemo-nos aos fatos. O caso Bruno é mais um capítulo de novela o qual todo mundo sabia como iria terminar. A cadência de atos erráticos do goleiro do Flamengo deixa pistas pelas quais não precisamos esperar que a polícia desvende inteiramente para saber quem foi o mandante do crime. Basta observar a conjuntura do caso.

Um crime premeditado e sem sombra de dúvida passional. Bruno é o provável algoz e responsável pela morte da ex-amante Eliza Samudio. O caso, tão explorado pela mídia - sobretudo televisiva - fez-me lembrar de uma reportagem de capa da revista Veja publicada no ano passado. A matéria relatava como a fama e o dinheiro invadem a vida dos grandes jogadores do esporte mais fantástico do mundo e os faz pisar na bola com tamanha facilidade.

Vamos ao raio-x de cada um. Bruno Fernandes é um jovem goleiro de quem os psicólogos desconfiam ser um psicopata. Começou a carreira em Minas Gerais, onde foi abandonado pela mãe ainda criança. Morador de favela, família desestruturada, emocional inconsistente. Eliza Samudio saiu de casa muito nova atrás de fama. Beliscava jogadores para ganhar os holofotes. Sonhadora, apaixonada e inconsequente. Também abandonada pela mãe aos 5 meses de idade, cresceu sem um importante arquétipo de valores.

Um dia os dois se encontraram. Nasceu um filho fora do casamento do goleiro. O ato é decorrente de uma rotina nada inócua do mundo futebolístico: festinhas regadas a bebida alcoólica, prostitutas e drogas. Se houvesse uso da liberdade, haveria escolha pela contenção - diria Betty Milan. Não é preciso ser um gênio para saber como a história poderia terminar. Eliza seria apagada, vítima de um crime cruel - depois de morta, teria pedaços do corpo arremessados a rottweilers.

O fato é que os telejornais reverberam incansavelmente fatos policiais que tocam o emocional do telespectador. Este, por sua vez, passa a viver uma espécie de histeria coletiva em casos como esse. Quem dera se a imprensa, sobretudo televisiva, se debruçasse com tamanha contudência sobre outros assuntos de interesse humano: meio ambiente, política, história das sociedades, conflitos étnicos. Certamente, teríamos um povo muito mais interessado e crítico.

Me passa na cabeça que a imprensa jamais poderia sair-se neutra e incólume na cobertura de um caso desses. Ocorre que me questiono incansavelmente sobre a validade dos critérios noticiosos utilizados. Por que tamanha insistência em pautas policiais, por que tanto tempo gasto para se esmiuçar a vida e os atos criminosos dos personagens? O fato foi uma barbárie que toca a psique individual, mas enquanto gastamos tempo demais expondo a violência alheia, a sociedade fica amiúde distanciada do que se passa na sucessão eleitoral do país, por exemplo, fato que mexe indistintamente com nossa vida coletiva.

Perguntei à minha tia Gercy, que é delegada aposentada, por que a televisão gosta tanto assim de fatos policiais. A resposta? "Ela vive disso!". Mas não é porque vive disso que se pode tirar do telespectador a consciência crítica do que quer e precisa ver. Alguém já lhe perguntou se ele se sente tão atraído e fascinado assim pelo crime? O silêncio e a omissão também são um erro. E cada vez que a TV o pratica, tira de seu interlocutor a capacidade de discernir.

Ao caso, faltam as provas cabais para se incriminar o goleiro. E que ele pague pelo que tiver feito. À imprensa, como um todo, que se dobre à tarefa de aprender mais uma vez como um caso de violência pode ser coberto a partir de nuances mais responsáveis. Um bom começo seria abordar o problema como um mal crônico da segurança pública brasileira e da falta de proteção à mulher. Deste modo funcionaria como uma caixa de ressonância metafísica aversa ao sensacionalismo.

Falta a mídia mostrar também que Eliza não é de todo uma vítima. É, pelo que tudo indica, mais uma aproveitadora que tentou o golpe da barriga para satisfazer necessidades profundas de um inconsciente que tanto pulsava de desejos perigosos desde a infância. O final de sua vida já era digno de um enredo previsível. Mas este aspecto ficou omisso, uma lacuna implícita no discurso jornalístico. A sentença de Bruno cabe à Justiça decidir. Contudo, quem poderá decidir pela consciência do telespectador que a tudo assiste?


domingo, 4 de julho de 2010

Desconstruir para reestruturar


Era uma manhã de quinta-feira quando entrei na redação ironicamente mal informado. Um pouco irritado com a resposta negativa aos recursos interpostos, comentei com o Renato a falta de bom senso da banca. Em resposta, ele me disse - independentemente daquilo - que eu havia passado. De fato, meu nome estava na lista, minha mãe chorava de emoção, meus familiares me ligavam para louvar o resultado. Eu, empolgado, não havia pensado que o barco que ía de vento em popa poderia enfrentar uma tempestade inesperada e virar. E foi o que, de fato, me ocorreu.

Um dia se passou, as dúvidas aumentaram e na sexta-feira subsequente fui informado de que a alegria duraria pouco. Subitamente, entreguei-me a uma tristeza infinita, emagreci o que me custara ganhar em massa magra e a dor de cabeça veio como um rompante. Faltava a nota da redação. A sentença não me deixava dúvidas de que as horas à fio gastas durante um mês inteiro teriam se evaporado. Fui mal avaliado, fui julgado com ausência de idoneidade, não fui compreendido naquela tentativa.

Por analogia, imagine você sentado na sacada do seu apartamento vendo o pôr-do-sol. O esplendor e a beleza tornam-se confundíveis com seu significado. As portas cerram-se mais cedo, a claridade e a luz dão espaço à escuridão, as pessoas cansadas abrigam-se em suas casas numa mudez intermitente, e assim o dia termina. O dia morre, é a morte do dia. E assim também morriam em mim todas as esperanças que tinha de ser aprovado tão precocemente em um concurso tão logo recém-formado. Morriam em mim tantos sonhos, tantos dias de espera, tantos projetos... e eu me tornava opaco e vazio, estúpido e inválido, triste e desamparado. Enquanto isso, minha mãe me cercava de frases de efeito, que confesso, mais me irritavam do que contribuíam para a autoestima. Além disso, continuava a dizer que não acreditava em milagres, que Deus não vê meus esforços, que não é justo, que não havia me premiado com um resultado condizente. A vontade que eu tinha era de me debruçar sobre a cama, me cobrir com um cobertor bem quente e de lá não mais sair. Me senti pequeno, frágil, simples. Um ser tristonho cujo ego havia se despedaçado naquilo que mais o fazia forte, substância de ferro. Tia Celina me dizia para não me deixar abater. Maria Anísia então se mostrou uma das amigas mais leais que já tive. No e-mail, ela alegava que fui vítima porque sai do lugar-comum, porque escrevo para pessoas de um nível cultural mais elevado, e que, portanto, não fui compreendido.

Uma semana se passou e foi então que me veio à consciência que o tempo é imperativo. Que o tempo tudo suporta, porque tudo passa. Que só o tempo - com suas pausas e silêncios, com sua morosidade que tanto me aflige - é que é capaz de curar as feridas e me recobrar os sentidos. Eu já não acreditava, mas esta foi a maior prova que tive até hoje de como é possível me reestruturar. É que havia me esquecido de como é possível eu me inventar de novo. De como tenho a possibilidade de criar, de curar os problemas do presente por meio de um silêncio cortante, porém vivo. Isso me fez lembrar de quantas perdas e ganhos tenho sofrido na vida. De quantas pessoas passaram por meu caminho e se despediram de maneira tão rápida - Lara, Vinicius, Sabrina... E eu, que tanto achava que não ia aguentar, acabei suportanto... Acabei fazendo disso tudo uma lição tal qual aprendi em Eclesiastes. Bastava apenas respirar. E dizer pra mim mesmo que nada é insuperável porque a vida é um processo, um rio que flui sem esperar que eu corrija meus erros e redirecione o futuro. Eu chorava pelo Brasil que perdeu o hexa e por mim mesmo nesse concurso. Porque esse problema é um vale cuja cabeceira me devora, mas de cuja profundidade consigui emergir. E ainda continuo vivo, pronto para a próxima queda e também pra me levantar.