domingo, 23 de maio de 2010

Papo de política


Está certo que aula de Espanhol não é o melhor lugar para se falar de política, muito menos de corrupção. Lá estamos para hablar como los hermanos, praticar la lengua e fazer os cansáveis e longos ejercícios. No entanto, é inegável dizer que o ambiente, tão familiar e à portas fechadas, não seja tão distante assim do lugar onde se praticam as negociatas e encontros políticos.

Pois bem, foi com todo esse clima, aproximadamente 20 minutos depois de começar a aula, que uma colega nossa tendo chegado já com atrasada, puxou da manga um assunto que até então eu tinha sido preterido de tocar. Tudo começou quando ela disse achar muito engraçado o fato de delegados morarem num Alpha Ville da vida. "Como pode uma pessoa que ganha 8 mil, sustenta casa e escola dos filhos, morar num lugar daqueles com um salário desse? Não tem jeito, tem coisa por fora!", denunciava minha nem sempre simpática colega. E no fundo, depois de relutar, reparei que ela estava certa.

Foi então que me toquei que este blog ainda não havia cumprido sua principal função: tratar de fatos objetivos da realidade. E eu até agora me ocupei muito de falar de coisas da vida, de assuntos mais pessoais e me esqueci de tratar de fatos jornalísticos, aqueles que tocam minha alma prazerozamente. E este foi um ótimo ponta-pé pra eu tratar de política, ahh, assunto que eu adoro! E é sobre isso que vou contar.

Tenho observado atentamente em minhas leituras a montagem do tabuleiro político em Goiás. O jogo ainda não está definido, mas o que se sabe até agora é que há três candidatos de frente concorrendo ao governo do meu Estado. Pelo PSDB, Marconi Perillo crava a proposta de um retorno triunfal, depois de ter deixado Goiás bastante escasso em termos de dinheiro público. Íris Rezende continua como um velho coronel, que ao invés de descansar, insiste em ser candidato pelo seu histórico PMDB. E, por fim, uma inédita terceira via: Vanderlan Cardoso (PR) com apoio total da máquina administrativa alcidista.

Não há nada melhor e mais enriquecedor do que boas conversas. Minha colega me surpreendeu ao mostrar-se como fonte qualificada - conhece os grandes nomes políticos de Goiás, está atenta, acompanha, sabe da verdade. As pesquisas mostram Marconi e Íris tecnicamente empatados, com uma ligeira vantagem do tucano sobre seu adversário mais polarizador. Vanderlan larga lá atrás, num quadro de grande distância, mas nada que o poder de aglutinação, capilaridade e respaldo do governo não possam inverter por meio de um trabalho árduo e uma equipe eficiente - Goiás viu esse mesmo panorama se repetir por duas vezes, em 1998 e 2006.

Pensava comigo que Vanderlan seria o menos beneficiado. Fui surpreendido mais uma vez: segundo minha colega-fonte, ele é o candidato que mais terá recursos para a campanha. E além disso, mostrou-se um ótimo gestor durante os dois mandatos em Senador Canedo: a cidade não depende em nada de Goiânia, tem água e esgoto próprios, um sistema de saúde exemplar, e uma cidade cuja infraestrutura foi beneficamente melhorada. Eis alguém que pode mostrar-se como uma alternativa valiosa ao povo goiano.

Enquanto isso, Íris percorre o interior na tentativa de agrupar o maior número de prefeitos aliados. Vai silencioso, com tranquilidade, sem fazer alarde, na discreta surdina. E mostra-se como o palanque mais viável à pré-candidata Dilma Rousseff (PT). Marconi tem vivido alguns momentos de agonia: a pré-candidatura foi lançada, nenhuma novidade, mas o tucano já não conta mais com a mesma estrutura de campanha - brigou com seus maiores aliados, afastou-se da equipe de campanha que o tornou governador e agora defende o Ficha Limpa. Mas é um candidato de nome forte no Estado, peso, traquejo político e tem se mobilizado incrivelmente nas redes sociais para levar o eleitor.

Posta minha singela análise, torço sinceramente para que Vanderlan seja a melhor escolha. Acredito em sua capacidade de gestor para alavancar mais ainda o potencial que Goiás tem, trabalhando com responsabilidade fiscal e equilíbrio. A aula de espanhol naquele dia ficou praticamente perdida em meio aos assuntos ligados à corrupção política na esfera administrativa, legislativa e também no judiciário. Mas cada vez que o ano eleitoral se aproxima, sinto meu coração mais alegre e meu corpo se arrepiar porque é dada a hora de participar do maior gesto cívico da nossa democracia. Porque amo a política! E nesse sentido, boas conversas servem como grandes janelas que abrem espaços e brechas para ouvir aquilo que é novo, que ainda desconhecia, e que pode me enriquecer.

domingo, 9 de maio de 2010

Dia das mães


Foi mais um dia comum. O segundo domingo de maio em que acordei cedo, com um café bem quente pra despertar, um bolo de chocolate pra comer, mas a ausência dela me apertando o coração.

Foi mais um dia de leituras e leituras, em que vi o tempo passar, a cidade enevoar e o frio chegando, arrebatando meus ossos e me deixando sem seus braços e abraços, seu colo, suas lições, seu olhar...

Um dia das mães em que me senti, mais uma vez, quase um órfão que só pode matar a saudade pelo telefone. Mas não custa nada dizer que te amo! E que durma em paz, porque tem bons filhos que zelam por ti e te agradecem pela vida.

Beijos pra minha mãe, e em especial pra todas as mães que moram sem os filhos.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Liberdade de Imprensa


"Liberdade, essa palavra.
Que o sonho humano alimenta.
Que não há ninguém que explique
Nem ninguém que não entenda."
(Cecília Meireles - Romanceiro da Inconfidência)

Faço destas minhas palavras para celebrar este 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Sem esquecer do que disse Yonai Sánchez, a corajosa blogueira de Cuba, que marca a propaganda de Associação Nacional de Jornais (ANJ).

"A censura controla totalmente o que passa diante de nossos olhos.
Não se sabe o que acontece no resto do mundo.
A primeira vez que vi imagens da queda do Muro de Berlim
foi em 1999, dez anos depois de ela ter ocorrido.
Foi num videocassete que um amigo trouxe clandestinamente.
Para assistir às imagens do homem pisando na Lua,
foi necessário esperar vinte anos."

Apesar da garantia constitucional de nossa Carta Magna, o clã Sarney conseguiu formar uma espiral do silêncio contra o Estadão, contando com o aval do magnífico Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apesar disso, ainda podemos nos gabar por ter superado os anos de chumbo da ditadura militar, que tanto nos legou apagamentos ideológicos da mente. Mas a luta não acabou, sempre é tempo para garantir nosso espaço de fala, o lugar ideológico que ocupamos! Que tal começar invertendo Mafalda?

domingo, 2 de maio de 2010

Opinião e realidade


Nenhuma opinião é dita como palavras que se jogam ao vento, cruzando os ares como se não tivesse início nem fim. Toda fala tem um princípio e uma razão de onde emanam seus argumentos. Portanto, discursar significa valer-se do passado para transformar o presente, ou em outras palavras, é o velho caiado do novo.

A noite se avolumava enquanto, reunidos em torno da mesa, o assunto atirado às discussões girou em torno de um tema quase que singular para mim: educação. Tudo começou depois que um tio comentou sobre uma reunião de pais que teve na escola do filho dele. As críticas à escola e sua direção foram inúmeras. Ele atacou com veemência o desabafo de uma professora aos que estavam presentes, a qual disse que "não dava mais conta daqueles alunos". Esse mesmo tio repetia que seu tempo na escola foi curto porque estudou até a sétima série, mas reforçava que é inadmissível que a escola permita a desordem de alunos no pátio, a falta de respeito contra os professores e a sapecagem dos estudantes do ensino fundamental.

Suas críticas ganharam outros pais que também estavam na mesma reunião. Estava iniciado o debate. Meu avô não hesitou em argumentar de imediato que os maus alunos deveriam ter 30 dias de suspensão, quando o máximo permitido é três. E ainda se declarou como um possível diretor capaz de colocar a casa nos eixos. Outro tio seguiu a mesma opinião do primeiro cegamente, da mesma maneira que um ministro do Supremo convalida seu voto ao de seu relator sem dar a ele mesmo muito tempo para pensar.

E não poderia ser diferente. Penso que essa posição radical, que condena muito mais a escola do que o aluno, tem uma simples justificativa. Fica mais fácil compreender um discurso quando o analisamos em seu contexto. O contexto desses três adultos era o de uma escola rígida, respeitada, em que ser professor conferia um alto grau de respeitabilidade e admiração no Brasil. Pena que eles valeram-se do passado na tentativa de preservar uma concepção escassa para o presente. A educação daquele tempo já não é mais a de hoje.

Os fundamentos do pensamento, e mais ainda a faculdade de opinar, chega mais perto da verdade quanto mais próximos estamos da realidade. Opina melhor quem tem mais conhecimento, ou seja, mais afinidade com a realidade que vive no seu meio. Karl Marx, sociólogo imortal para os ocidentais, fez uma dura crítica ao pensamento idealista alemão. Segundo Marx, às concepções desenvolvidas por Feurbach e Hegel podiam-se chamar de ideológicas exatamente porque não refletiam a realidade social e história da Alemanha do século 18 - eram ideias e visões distorcidas daquela realidade. Portanto, qualquer teoria para julgar-se válida, e não apenas mera conjectura, deveria sair da matéria para alcançar a ideia, e não sublevar-se do céu para a terra. Isso quer dizer que não pensamos a partir de ideias vagas ou sofridas construções mentais, mas sim dos elementos da materialidade histórica que se absorvem através dos nossos sentidos.

Não obstante, Schopenhauer filosofou algo semelhante. No texto chamado Pensar por si mesmo
, ele admitiu que uma grande quantidade de conhecimentos, se não elaborados por um pensamento próprio, será tão modesto quanto uma rica biblioteca quando desorganizada. O texto é uma sagaz crítica àqueles que julgam-se sábios e medem seu grau de entendimento pela quantidade de coisas que leem e reproduzem com pompa, mas que não conseguem organizar um pensamento próprio a partir daquilo que vive, do ambiente que o cerca e das circunstâncias perceptíveis.

Eu talvez diria o mesmo que meus tios e meu avô. Culparia os professores, diria que eles deveriam ter mais pulso, ser mais firmes e enérgicos no tratamento com os alunos para impôr-se como supremos. Entretanto, minha opinião se revela outra. Em outubro de 2008 fiquei inspirado ao receber o convite de uma escola municipal de Goiânia para participar do projeto Mais Educação, do governo federal. A princípio, diagnostiquei que trabalhar os conteúdos textuais de jornais com os pequenos seria um elemento de exorção à ignorância, além de um inevitável momento para se verificar na prática a validade de Paulo Freire e Vygotsky.

Nada disso se fez. O que verifiquei foi uma escola cansada, pálida e injustiçada. Professores doentes, cuja energia vocal era completamente dissolvida pela jornada de 40 horas de trabalho semanal exaustivo e degradante. Um aluno, de aproximadamente 11 anos, chegou a agredir uma professora com um tapa no rosto, o qual ela não pode compensar. O máximo que fez foi sentenciá-lo verbalmente. Alunos que não respeitam o professor, que não querem aprender, desinteressados, completamente desequilibrados por conta de uma estrutura familiar precária à qual destinou à escola outros papéis e obrigações que não a pertence. Foi esta a realidade que encontrei. E que me abalou, dilacerou minhas esperanças, frustrou minhas expectativas, derrubou meus ânimos e me fez desacreditar de Freire e Vygotsk. Hoje só me resta acreditar que a instância escola deveria ter leis próprias, com autonomia concedida pelo Legislativo para vigiar e punir, nada mais justo. Porque só quem nela trabalha sabe o peso que carrega e a medida de seu sofrimento.

Ter opinião livre, ainda bem, é uma premissa incondicional garantida no Brasil, e isso está na Constituição. Utilizei os mesmos argumentos acima naquele debate, entretanto, fui praticamente silenciado por pessoas que não quiseram ouvir. Por pessoas que têm opiniões sinceras e livres, mas que desconhecem a realidade e a quem lancei o distante desafio de entrar numa sala de aula para ver como as coisas funcionam. E disso posso falar com firmeza porque eu vivenciei o que é a escola hoje, tal qual a descrevi. Portanto, vale a lição mais nobre que poderia deixar: não se pode desvincular opinião de realidade. Se o pensamento e o discurso que verbalizamos nos remetem à experiência mais subjetiva que temos, então é melhor ter cuidado com o que se vai dizer para evitar expressões desconexas que remem contra a maré da vida.