terça-feira, 30 de março de 2010

Lília, no coração de Goiás




Lília Teles não é um nome qualquer. Advogada, professora de educação física, mãe, goiana, simpática, alegre, jornalista. Lília atingiu o ápice da carreira de repórter depois de se tornar correspondente internacional de TV Globo em Nova York, passando por coberturas que marcaram o mundo e fizeram história.

Na última terça-feira, dia 30, o magnetismo da repórter, que conquistou o mundo ao mostrar as consequências do terremoto que devastou o Haiti, foi tamanho, que fez uma plateia inteira ficar em absoluto silêncio para ouvi-la. No teatro da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Lília Teles foi recebida por estudantes dos mais diversos cursos: nutrição, fonoaudiologia, jornalismo, direito, medicina entre tantos outros. Ela conseguiu hipnotizar o público que transbordava de curiosidade, olhares atentos e uma sensibilidade infinita que transpareciam a emoção e o orgulho que os goianienses têm ao ver o maior ícone do jornalismo goiano em nível transnacional em frente de si mesmo. Lília recebeu também o apoio incondicional da família, que se fez presente dos pais aos irmãos, sobrinhos, filho (André) e primos.

A jornalista, centro das atenções, foi homenageada pela pró-reitora de Pesquisa da PUC-GO, professora Sandra de Faria e pela diretora do departamento de Fonoaudiologia, Luciana Alves Machado, que lhe rendeu um belo texto com inúmeras homenagens. Lília iniciou sua palestra, intitulada "Voz na Globalização", contando sua trajetória profissional em ordem cronológica. Ela relembrou o primeiro passo dado na carreira, quando foi repórter do jornal Diário da Manhã, passando pela então TV Goyá (hoje Record) até chegar à TV Anhanguera, onde consolidou-se como repórter.

Jovem e interessada, Lília Teles diz que nasceu jornalista: escrevia no jornalzinho da escola, era a primeira aluna a levantar o dedo quando a professora perguntava quem queria ler a lição e ainda entrevistava os familiares com um cabo de vassoura ao término da viagem para a fazenda. Lília permaneceu na TV Anhanguera de 1989 a 1997, período em que foi a segunda repórter de rede em Goiás. Depois mudou-se para o Rio de Janeiro, onde cursou jornalismo e batalhou intensamente para realizar o sonho de ser correspondente. Ela contou que lutou muito para crescer na profissão, o que lhe custou a perda de muitos momentos com a família, como a comemoração do Dia das Mães, conforme narrou em meio a gotas e gotas de lágrimas arrancadas dos olhos.

Mas foi em Nova York, como correspondente internacional da TV Globo, que Lília Teles mostrou ao Brasil e ao mundo o potencial que tem: ela participou de inúmeras coberturas marcantes, como a posse de Barack Obama, a morte de Michael Jackson e por fim, o terremoto no Haiti que mexeu até mesmo com sua estrutura emocional. Passou por momentos tensos ao chegar na capital do mundo, ainda tão amedrontada pelos atentados do 11 de setembro de 2001 que culminaram com a queda do World Trade Center. Também lá viveu momentos difíceis, como intenso frio e solidão (isso sem falar da saudade que sentia das terras quentes de Goiás quando procurava uma pamonha, e brincou - "Veja bem, num mundo tão globalizado como esse não encontrar uma pamonha como a feita em Goiás aqui em Nova York!").

Lília também falou sobre a crise financeira causada pelo setor hipotecário dos Estados Unidos, interpelando como é que um país tão rico poderia entrar numa situação de quebradeira em efeito cascata. E também a sua inacreditável recuperação. Ela lembrou ainda a cobertura das eleições americanas, quando viajou no avião do lendário John McCain, militar de 80 anos que exitava em se tornar presidente, e conheceu jornalistas do mundo todo. Na posse do primeiro presidente negro do país, ela sofreu com o intenso frio: "Foi o dia mais frio da minha vida" - disse - suportando temperatura de menos 12 graus com sensação térmica de menos 23. Seu pé estava congelado, o que a obrigou a pedir para duas senhoras cuidadosamente agasalhadas (com roupas que mais pareciam de astronautas, segundo a palestrante) que tirassem uma foto com ela na tentativa de aquecer-se. Mas reconhece que "o que valia a pena era estar fazendo parte daquela história" - cujo envolvimento convidava qualquer jornalista à tentação de estar naquela cobertura!

Para encerrar, ela tratou do aquecimento global e das nevascas perturbadoras que alteraram muitas estradas e rotinas nos EUA e Canadá. E finalmente, o momento mais marcante: a tragédia do Haiti. A este fato Lília Teles dedicou grande parte de seu discurso - entremeado por muito choro somado a alguns goles de água. "Foi a cobertura mais importante que fiz na minha vida e a mais triste", resumiu. Ela conta que é como se encontrasse um país completamente destruído, como se tivesse sido bombardeado, e do qual as pessoas não tiveram como sair e se defender. "A minha vontade era de gritar e chorar". Lília recordou o resgate da enfermeira haitiana, um dos mais emocionantes, e também de três crianças que foram soterradas por um prédio de três andares. Não é à toa que a capa da revista da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) trouxe sua foto com a legenda "A Lília salvou essa mulher".

A notícia sobre a tragédia do Haiti correu o mundo em poucos minutos, configurando uma equação balizada pela voz na globalização. Lília agora descansa e aproveita o período de férias antes de voltar para o Rio de Janeiro. Ela curte a família em Goiânia, visitará a Cidade de Goiás para reviver a procissão do fogaréu e no momento escreve um livro para lhe ajudar a extravasar a catarse que encheu seus olhos de dor em Porto Príncipe. Ela foi substituída pelo novo correspondente, Flávio Fachel. Mas é certo que, se na época da morte do cantor Leandro, ao revê-la os goianos gritavam esbaforidamente "volta, Lília", "volta, Lília", agora ficou eternizadamente imaculada no coração desse mesmo povo que a recebeu com tanto carinho na noite de ontem! Lília Teles oxigenou as expectativas de vários estudantes de jornalismo que pretendem fazer carreira na profissão e retribuiu à altura os gestos atenciosos recebidos por seu público. Sem sombra de dúvida, Lília Teles está no coração de Goiás.

terça-feira, 9 de março de 2010

Discurso de formatura


Quero inicialmente cumprimentar os membros desta mesa diretiva formada pelo magnífico reitor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, professor Wolmir Amado, à coordenadora do curso de Jornalismo da PUC, professora Sabrina Moreira de Morais Oliveira. Ao paraninfo desta turma, diretor do Departamento de Comunicação da Prefeitura de Goiânia, deputado Lívio Luciano, pelo apoio incondicional prestado à nossa turma. Cumprimento nosso padrinho, professor Salvio Juliano e a professora homenageada Noêmia Félix. Quero ainda saldar a presença do repórter da TV Anhanguera, Fábio Castro, que neste ato representa nossa patronesse, a correspondente internacional da TV Globo em Nova York, Lília Teles, que dá nome a esta turma, mas que não pôde estar presente em razão de uma mudança na data de seu retorno ao Brasil. E agradeço ainda o repórter do jornal O Popular, Vinicius Sassine, vencedor de inúmero prêmios nacionais com reportagens investigativas e científicas, profissional que hoje homenageamos. Aos amigos, familiares e a todas a pessoas que vieram abrilhantar esta colação de grau, muito boa noite.

No dia 12 de janeiro de 2010, a população haitiana saiu às ruas para viver um dia comum. Entretanto, por volta das 16 horas e 53 minutos (hora local do Haiti), aquelas pessoas que transitavam pela capital do país mais pobre das Américas tiveram sua rotina completamente alterada. Um terremoto de magnitude de 7 graus devastou a capital do Haiti, Porto Príncipe. Mais de 200 mil pessoas morreram, 300 mil ficaram feridas e cerca de 4 mil tiveram amputações após o tremor. O maior terremoto dos últimos 30 anos deixou ainda 250 mil casas e 30 mil empresas destruídas, além de mais de 1 milhão e 200 mil desabrigados. As proporções do desastre superaram os efeitos da bomba atômica de Hiroshima. Na última semana, o Chile também enfrentou um terremoto de 8,8 graus cujas consequências afetaram vários outros países vizinhos. E em meio a tudo isso, os cabos de fibra ótica, as imagens de satélite e as transmissões via internet possibilitaram que, em questão de minutos, o mundo inteiro se desse conta desse desastre. E foi a partir dessas informações e as imagens captadas pelas câmeras de televisão que a humanidade manifestou um de seus atributos mais valiosos: a solidariedade. Conclusão: a informação jornalística veiculada é instrumento de ação sobre o mundo. É capaz de fazer as pessoas se mobilizarem e agirem sobre a realidade para transformá-la, já que construímos o mundo através da palavra. "Ai palavras, ai palavras, que estranha potência a vossa!", resumiria Cecília Meireles.

Entretanto, mecionar um único fato seria muito pobre. Conclui que esse discurso se tornaria opaco e vazio caso não conseguisse descrever à altura o que constitui o jornalismo na sua essência. Definir o que é jornalismo não é uma tarefa tão simples assim, pois isso implica em lidar com uma série de questões para as quais não há consenso: afinal, o que você pensa do velho ditado americano segundo o qual vale muito mais ter uma imprensa sem Estado do que um Estado sem imprensa? Mas espere aí, me acompanhe. Eu convido você a fazer uma profunda reflexão sobre o assunto.

Se mergulharmos na história da imprensa, perceberemos que o jornal foi um objeto essencial para a consolidação das sociedades modernas. No século 19, as primeiras publicações jornalísticas preocupavam-se em divulgar textos de caráter literário e político. Mas foi o avanço do capitalismo comercial que impulsionou o desenvolvimento do jornalismo, criando novas demandas e necessidades que até então estavam latentes. Entretanto, a atividade jornalística não se reduz a mais uma mercadoria com valor de uso e de troca no mercado do capital. Certa vez, disse o filósofo Jean-Paul Sartre: "O jornalismo é uma mercadoria, mas não uma mercadoria qualquer".

Compreender o jornalismo significa observar quais fatores sociais e históricos permitiram o seu desenvolvimento. Uma coisa é certa: somos profissionais da informação. E o que significa informar senão dar forma a alguam coisa, fazer com que um assunto até então desconhecido torne-se público, mudando o estado de conhecimento do receptor? Pois bem, atravessamos séculos de imprensa para estar aqui. O capitalismo, ao certo, não é um acidente na História. Mas o que podemos dizer é que este modo de produção acelerou nossa rotina de vida, provocou uma dinâmica integração socioeconômica entre as nações (e a crise financeira mundial é prova disso), e, por fim, fez com que a obtenção de informações, de dados e análises sobre o panorama econômico, político, cultural e científico se tornasse uma necessidade irremediável às populações. O jornalismo é uma atividade profissional que, ainda que não cumpra com integridade o seu papel, também não pode ser negada.

Neste contexto, podemos perguntar: o jornalismo é um instrumento político de manipulação das massas ou um caminho para se atingir a cidadania? A notícia é um processo de construção que serve para dar sentido à realidade e guiar nossas ações? Pode-se dizer que os gêneros textuais jornalísticos são uma forma de conhecimento, como o são a ciência, a filosofia e a arte? Todas estas questões são ambivalentes. Dependerá do ponto de vista de quem as vê. Mas posso dizer, de passagem, que mais do que nunca, os jornalistas são promotores públicos da cidadania e profissionais qualificados para informar, analisar e refletir sobre a realidade. É por isso que "jornalista", quer dizer "analista do dia". Segundo Adelmo Genro Filho, grande teórico do nosso meio, o jornalismo é uma forma de conhecimento centrada na categoria filosófica do singular. Isso significa que a notícia, matéria-prima do nosso trabalho, contém indícios capazes de explicar o porquê de um fato, os fatores históricos, ideológicos, políticos e sociais que justificam a existência de um acontecimento, além de mostrar o caráter inusitado e contraditório da vida. Creio que por isso um jornal carioca criou recentemente uma peça publicitária que dizia: "Todo fato tem uma explicação".

Se considerarmos então que o jornalismo é uma forma de conhecimento que também explica e significa a realidade, ao seu modo e de acordo com as suas particularidades e limitações, teremos lhe permitido um status epistemológico próprio. E isso implica em reconhecer que esta profissão não é uma prática simples e meramente operatória, mas sobretudo, um trabalho intelectual. Portanto, precisa de pessoas devidamente habilitadas para um ofício de extrema responsabilidade social, se quisermos que a informação construa um mundo de caráter democrático, cidadão e plural. E só este argumento já basta para que o Congresso brasileiro mostre ao Supremo Tribunal Federal que ser jornalista por formação não fere de maneira alguma a liberdade de expressão prevista pela Constituição Federal.

Não poderia encerrar minha fala sem antes agradecer às pessoas especiais que fazem parte das nossas vidas. À Deus, o princípio e o fim de todas as coisas. Aos pais, verdadeiros guerreiros, nossos genitores, pessoas fundamentais a quem devemos muito do que temos e somos. Vocês, pais, são elementos determinantes na constituição do nosso caráter e da nossa personalidade. São arquétipos a partir dos quais nos projetamos, timão de um barco que nos guia assim como uma bússola mostra os pontos cardeais. Obrigado pelo amor e pelos valores que introjetaram em nós. Aos nossos amigos, pessoas com que compartilhamos nossas vidas. São aqueles que nos escutam nos momentos mais adequados, e que também dirigem a nós palavras essenciais com o mesmo cuidado com que usariam uma esgrima.

Professores, se hoje nos tornamos jornalistas é porque vocês cumpriram com responsabilidade o papel de ensinar. Transferiram com sabedoria experiências e conhecimentos, elementos libertadores. O conhecimento é a única coisa que ninguém pode nos tomar, pois está aqui, dentro de nós. Quem encontra bons professores jamais se tornará um pote vazio.

Colegas, como o tempo passa rápido... é como se tivéssemos nos conhecido a tão pouco tempo. Concluir um curso superior é uma grande conquista, pois nem todos os jovens brasileiros têm a mesma oportunidade. Foram quatro anos em que vi, pouco a pouco, cada um tentando lidar com as próprias dificuldades, superando obstáculos, crescendo, se transformando. Fomos a primeira turma de Jornalismo da PUC de Goiás, inevitavelmente submetidos a testes, mas cercados por um cuidadoso projeto pedagógico de curso. Sabe aquela história de que nunca passo num mesmo rio por mais de uma vez? É verdade. A água do rio por onde passei correu para o mar, evaporou, mudou de estado físico e se precipitou na forma de chuva, mas não é mais a mesma. Assim também nunca somos os mesmos. A cada dia nos tornamos alguém modificado, enriquecido e diferenciado porque vivenciamos experiências que jamais se repetem.

E aí eu pergunto: o que fica? Me arriscaria a dizer que ficam o respeito que temos um pelo outro e a nossa amizade. Nossa turma é diversa e heterogênea, mas somos nada mais do que aquilo que nos fizemos ser. Sejam éticos e íntegros com todas as informações que apurarem. Prezem pela verdade e lutem para construirmos um mundo de paz e solidariedade. Respeitem a sua fonte de informação e neguem-se a fazer tudo o que contrariar a sua postura moral e profissional. Busquem a objetividade, mas lembrem-se de que não somos uma neutra correia de transmissão de informações. Afinal, a tese da objetividade caiu por terra depois que Freud descobriu que a subjetividade determina o tamanho da riqueza e da complexidade de que são feitos os seres humanos. Eu pergunto: que lugar você ocupa? Qual papel você desempenha como jornalista e que projeto de sociedade tem para a sua nação? Pensem nisso! E jamais se esqueçam de tudo que vivemos juntos. Recordem-se das aulas animadas de TV da Consuelo, da tranquilidade do Salvio e da carga elétrica de 200 voltz da Noêmia. Ahh, e que dizer das aulas de mitologia grega do Minuzzi? Isso sem falar daquela prova difícil da Sabrina em que tínhamos que desvendar o segredo da pirâmide. Mas foi no nosso primeiro e último churrasco que finalmente nos entendemos enquanto turma, não é verdade? Comissão, apesar dos percalços, tivemos pulso suficiente para organizar esta noite brilhante, porque, no final, tudo se ajeita. Eu e a Luna então, fomos um caso de amor e ódio. Mais de amor do que de ódio, né, Luna?

Quero lembrar também de todos aqueles que passaram pela nossa sala, mas que pelas circunstâncias e histórias de vida, não se graduaram conosco: Paulo César, Hugo, Valéria, Poliana. E ainda a colega Leila Andrade, que interrompeu a própria vida.

Colegas, penso que cada um de nós, há exatamente quatro anos atrás, entrou na universidade com um propósito, à procura de alguma coisa. Acho que hoje, nós a encontramos. E por isso quero registrar aqui uma última mensagem. Fernando Sabino, escritor, poeta, literato, boêmio, jornalista, disse assim: "De tudo ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar, e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo da dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro".

Que essas palavras e esta noite tão especial se tornem atemporais na vida de vocês. Muito obrigado!